domingo, 1 de março de 2009

Ainda os diários dos outros (3)

Dos truques cúmplices de qualquer boa amizade.
Quando faltava pouco para amanhecer, encontrámo-nos com um par de bêbados e iniciámos o nosso magnífico número do aniversário. A técnica é a seguinte:
1) Diz-se em voz forte uma frase inicial, por exemplo: "Che, por que não te apressas e não te deixas de parvoíces?". O candidato cai no logro e imediatamente nos pergunta de onde vimos, inicia-se a conversa.
2) Começa-se a contar as dificuldades em voz suave, com o olhar perdido ao longe.
3) Intervenho eu e pergunto a data. Alguém a diz; Alberto suspira e comenta: "Olha que coincidência, faz hoje precisamente um ano!" O candidato pergunta: um ano que quê? Responde-se: que iniciámos a viagem.
4) Alberto, muito mais fiteiro que eu, lança um suspiro terrível e diz: "Que pena estarmos nestas condições! Se não, poderíamos festejar..." (diz-me isto como que confidencialmente). O candidato oferece-se logo e nós fazemo-nos esquisitos um momento, dizendo-lhes que não podemos retribuir-lhe, etc, até que aceitamos.
5) Depois do primeiro copo, eu nego-me terminantemente a aceitar mais um trago e Alberto faz troça de mim. O anfitrião zanga-se e insiste; eu nego-me, sem dar razões. O homem insiste e então eu, muito envergonhado, confesso-lhe que na Argentina o costume é comer enquanto se bebe. A quantidade de comida já depende da cara do cliente, mas é esta é uma técnica bem apurada.


in Viagem pela América, Ernesto Che Guevara

Sem comentários: