domingo, 1 de março de 2009

Ainda os diários dos outros (2)

Da viagem (vi)vida.
Assim, a moeda foi lançada ao ar, deu muitas voltas; caiu umas vezes "cara", outras "coroa". O homem, medida de todas as coisas, fala aqui pela minha boca e relata na minha linguagem que os meus olhos viram; na melhor das hipóteses, em cada dez "caras" possíveis só vi uma "coroa", ou vice-versa; é provável e não há atenuantes; a minha boca narra o que os meus olhos lhe contaram. A nossa vista nunca foi panorâmica, foi sempre fugaz, nem sempre equitativamente informada, os juízos são demasiado determinantes? De acordo, mas esta é a interpretação que um teclado dá ao conjunto de impulsos que levaram a martelar as teclas e esses fugazes impulsos morreram. Não há sujeito sobre quem exercer o peso da lei. O personagem que escreveu estas notas morreu ao pisar de novo terra argentina; o "eu" que as ordena e burila não sou eu; pelo menos não sou o mesmo eu interior. Esse vaguear sem rumo pela nossa "Maiúscula América" mudou-me mais do que julguei.

Agora sei, quase com uma fatalista conformação, que a minha sina é viajar, a nossa sina, melhor dito, porque Alberto nisso é igual a mim; no entanto, há momentos em que penso com profundo anseio nas maravilhosas regiões do nosso Sul. Talvez um dia, cansado de rodar pelo mundo, volte a instalar-me nesta terra argentina e então, se não como morada definitiva, pelo menos como lugar de trânsito para outra concepção do mundo, visitarei novamente e habitarei a zona dos lagos das cordilheiras.

in Viagem pela América, Ernesto Che Guevara

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