terça-feira, 24 de junho de 2008

D.I.M.s 1

Profissão ingrata (se é que é esse o termo), tenho para mim.
Por outros motivos, e ao jeito de quem faz listinhas, outras duas que também teria séria dificuldade em exercer: revisor da C.P. (ainda hoje tenho alturas em que me questiono acerca dos pré-requisitos visuais e mnésicos necessários para tal) e empregado de café (em parte pelos mesmos motivos, juntamente com as tantas vezes necessárias destreza e acrobacia de mãos).

Por motivos profissionais, a convivência com os ditos delegados de informação médica (D.I.M.s) atingiu nos últimos tempos o auge dos auges. Quotidiana quase.

E eu, soldado raso (bem raso) na matéria, acabadinho de chegar das sebentas de Farmacologia- cujas listas de princípios activos eram empinadas à pressa e estupidamente nas vésperas- petrifico-me perante a minha estupidez avassaladora (houve até quem já me catalogou de "o farmacêutico"). Onde pára o meu 14 ou 15- senão me falha a memória, na dita cadeirona? vá-se lá saber (...saber de faculdade, será mesmo sempre assim?). Como se tudo aquilo que eu tivesse apre(e)ndido de nada me servisse. Rigorosamente nada. Única e simplesmente me capacita dessa mais-valia que é sentir-me ainda mais estúpido só. Um obrigadinho então aqui da minha parte pelo tempo perdido.

E eu de sorriso amarelo feito, mais de metade das vezes. E o deles, amarelo mais que tórrido, não do Verão que corre mas dos longos dias daquilo, penso eu às vezes.

E é o fármaco XPTO que por sinal é o mais barato e eficaz do mercado nos estudos comparativos (e eu a jurar que me tinham dito o mesmo da última vez sobre outro qualquer exactamente para a mesma maleita) e é o "como os Sr.Drs sabem" 1,2, 3 e 345 vezes (sim, sim...penso eu) e é a constante preocupação com a pobre carteira dos doentes apregoada aos 4 ventos.
E é "o melhor composto de todos os já feitos até hoje", verdadeiro elixir e quiçá ter o raio da doença e poder tomá-lo é muito melhor inclusive do que não a ter.

Não lhes invejo o ofício, mesmo.
Não que nutra por eles um sentimento de indiferença, ódio ou muito menos qualquer interesse (por maior vantagem que possa retirar das suas prendinhas- juntamente com as mesmas vêm quase sempre 75 kg de lixo às cores- não me sinto bem sempre que sou confrontado com a imensidão do farmaco-desconhecido que reduz e recambia o meu saberzinho para uma estante digna de uma colecção Luís XIV, de tão antiquado que é). Ainda assim, reconheço-lhes a importância de me manterem minimamente farmaco-actualizado e de esbofetearem com os ventos de mudança (ainda que de tanto sopro que ouça poucos julgo serem os que efectivamente constituirão novidade).
Gabo-lhes a técnica do sorriso mas não lhes invejo o ofício, isso não.

Mas digamos que causam em mim simplesmente o misto do que sinto quando o revisor então me pergunta pelo bilhete, a sórdida e dolorosa recordação das amargorosas listagens de fármacos da última hora e a minha rudimentar técnica de sorriso amarelo. E quanto a estes dois últimos, não lhes perdoo.

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