segunda-feira, 12 de maio de 2008

Acerca dos contadores de estórias

Confesso que tenho um fraco por uma boa história. Das verídicas, de Vida. Sobre ela ou que dela nos expliquem algo. Isto por aqueles (que considero mestres exímios) que, muitas vezes em poucas palavras ou mesmo num par de imagens só, sabem captar a minha atenção. Toda. E quase me deixam boquiaberto.
[E para que se perceba a arte da coisa, não sou assim tão facilmente deslumbrável, acho.]

O que é uma boa explicação senão uma daquelas histórias fantásticas (muitas vezes bem simples, até) com algum sentido para nós?
Guardo na minha memória, ao longo do meu percurso pessoal e sobretudo académico, uns tantos exemplos do género. Entre outros, foi assim que cedo interiorizei alguma da geografia mundial; a serotonina enquanto neurotransmissor importante nos nossos estados de humor (!!!...por mais ridículo que isto possa parecer...); a importância do pescoço das girafas (objecto último da selecção natural darwiniana) na distinção das principais teorias evolucionistas; a fisiopatologia da insuficiência cardíaca (e a imagem da mítica barragem de Hoover no Colorado), entre outros. Ficaria aqui a citar "éne" exemplos, alguns ainda mais ridículos que estes (como se isso fosse possível...mas é).
Quem disse que as boas explicações não podem ser ridículas?


Mas a mais recente delícia que adicionei ao reportório foi esta, acerca da importância do repouso na terapêutica da tuberculose, doença infecciosa, então temível (e nalguns casos ainda temível) entre nós:

...Antes da estreptomicina a tuberculose era uma doença terrível, no sentido literal do termo. Na tuberculose pulmonar há que distinguir as formas "instaladas" de lesões crónicas fibro-caseosas escavadas- cuja solução era a lobectomia ou mesmo a pneumectomia quando unilaterais e sem solução quando bilaterais- e as formas iniciais de infiltrado precoce escavado ou não, mas eventualmente curáveis pelo colapso do pneumotoráx ou pneumoperitoneu em cerca de dois anos ou mesmo, quando incipientes, pelo rigoroso repouso acamado. Recordo a minha explicação ao doente: pegava-lhe na mão e virava o dorso para cima e dizia: "imagine que tem um golpe nesta pele a querer cicatrizar mas que tem de repuxar a pele permanentemente cerca de 16 vezes por minuto (e exemplificava, repuxando um pouco a pele 2 ou 3 vezes...). Se o repuxão for pequeno ainda é possível que faça cicatriz mas, se ele for grande e, pior ainda, mais de 16 vezes por minuto, é certo e garantido que nunca mais cura. Ora é isto mesmo que acontece no seu pulmão. Ele tem uma lesão tuberculosa com uma pequena cavidade que pode e deve fechar e cicatrizar, mas, para isso, é preciso que a respiração seja lenta e suave. Basta um suspiro fundo para rasgar a cicatriz que estiver a começar. Tem, pois, que estar em repouso absoluto, sem respirar fundo as 16 respirações por minuto que fazemos em repouso. Deita-se e só muda de posição quando for mesmo necessário. Pode ouvir telefonia mas, se gosta de futebol, está proibido de o ouvir pois vai emocionar-se, suspirar e rasgar as cicatrizações que estiver a fazer..."...

in Relance sobre a História da Medicina Contemporânea, Pedro Eurico Lisboa

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