quinta-feira, 13 de março de 2008

Urbano-depressivos

Acordar cedo em dia de folga.
Esbarrar na azáfama quotidiana de quem não conhece outra coisa que não seja trabalho.
A escassos metros da minha porta, todo o santo-dia, numa espécie de boutique, três velhos sentados a conversar. Ainda nem sei de que trata, tal a quantidade de sucata e coisas velhas que por lá se encontra.
(Desconfio que vendam histórias de vida, só. Prometo que um destes dias- assim eu tenha coragem para tal- hei de entrar e perguntar a quanto é que é.)

Sempre adorei ver os outros assim. Passando diante que nem personagens. A alguns até advinho-lhes os gestos. Os rituais. Sabem-me a ontem e antes-de-ontem e quase que lhes sinto o cheiro de amanhã.
(Logo vejo-vos por aqui?)

Chegadas, partidas, descargas e buzinas. Tudo rotinas. E aquele conjunto das luzes e sombras de momento. Traçadas a esquadro solar. Únicas e deliciosas.
(Se lá voltar, sei que, nem gente nem sombras serão as mesmas.)

Passear sozinho pelo simples prazer de o fazer.
Derivar com ar de quem sabe por onde anda. Trafulhices. Sempre encarei o teatro como uma arte, um desafio só ao alcance de alguns.
(Agora que penso nisso, acho que nunca fui bom actor.)

Ainda vou tendo para mim que as artes são daquelas coisas que não se aprendem.
(Até quando? - penso.)

Sou uma espécie de estrangeiro que joga em casa.
(Um dia destes até quem sabe me concedem o estatuto. Tal é o modo em que as coisas andam por aqui.)

"Catch me if you can". "There´s no-one here and this is all for me".
(Às vezes vêm-me à cabeça estas frases soltas, meio desconexas. Pedaços de filmes, quem sabe.
A infância guarda-nos estas pequenas coisas, sem dúvida. Não os consigo situar. Sei apenas que estão algures por aqui.
A minha memória foi sempre assim. Nem sei bem se me recordo de algo que não sejam fragmentos do que já vivi.)


Hoje sou todo EU um desses míticos seres urbano-depressivos.

1 comentário:

Anónimo disse...

adorei...adorei..adorei..
mas chamava-lhe mais a ENTIDADE URBANA...correria...andar...viver cada dia num NINHO DE FORMIGAS para cá e para lá...isso é que é dinamismo...