quinta-feira, 20 de março de 2008

Lembranças

Tem dias em que me lembro dos gomers. Da crueldade, do repúdio mas também da autenticidade incompreensível e revoltante que nutro por tal denominação.
Hoje foi um deles e sei que mais dias assim virão.

"...Quem é que está de serviço hoje?
- Eu- disse o Potts.
- Ainda bem, porque aquele som horrível é de um gomer. Da Ina Goober, se não me engano, que no ano passado atendi 6 vezes. Ela é um gomer, ou melhor, no feminino, uma gomere. Gomer é um acrónimo: Get out of my emergency room. É o que nos apetece dizer quando nos enviam alguém da enfermaria às 3 da manhã.
- Acho isso um bocado grosseiro- disse o Potts.- Alguns de nós não partilham essa opinião em relação aos idosos.
- Pensas que eu não tenho avó?- perguntou o Gordo indignado.- Tenho sim, e é a velhinha mais querida, ternurenta e maravilhosa. Os seus bolinhos matzoh flutuam e para os conseguirmos comer é preciso espetarmos-lhes bem o garfo. A sopa até levita sob a força deles. Temos de comer em cima de escadas, raspando a comida do tecto. Eu gosto...- teve de parar, e limpar as lágrimas dos olhos, e depois continuou num tom suave:- Eu gosto muito dela.
Pensei no meu avô. Também eu gostava muito dele.
- Mas os gomers não são apenas velhinhos amorosos- continuou o Gordo.- Os gomers são seres humanos que perderam tudo aquilo que fazia deles seres humanos. Desejam morrer, só que nós não o permitimos. Ao salvá-los, estamos a ser crueís com eles, e eles, por sua vez são crueís connosco ao lutarem com unhas e dentes contra as nossas tentativas para os salvarmos. Eles magoam-se e nós magoamo-los..."

in A Casa dos Deuses, Samuel Shem

1 comentário:

mjp disse...

ai os gomers , os gomers...
lol

grande livro esse. graças a ele temos Scrubs!!