domingo, 15 de fevereiro de 2009

Entre : linhas (a consequência das coisas)

Chegar ao fim de Os Cus de Judas de A.L.A. e não partilharmos daquela revolta. Deve ser impossível. Lógica causa-efeito, axiomático, pura consequência. De mestre fantocheiro.
O Chiúme, Ninda, a Baixa do Cassanje e a África que não conheço senão de relatos, de histórias de outros. Tudo no meu sofá, e eu de livro numa mão e de G3 na outra às vezes. «Cabrões».
E momentos há em quase é preciso tomar qualquer coisa para os nervos, tal o estado da «cousa».
(Foram mesmo quantos litros de chá?)

Irascível, revoltante, genial, sublime, fel mas também doce e terno, às vezes.
Como que, sem dar por nós, ali estamos em pleno campo de batalha, no acampamento rodeado de arame (brilhante a capa da edição de bolso do Grupo Leya- já agora, barato, pega-se bem e leva-se para qualquer lado- comprem!), soldado raso e porque não médico de campanha (a personagem em questão também com vinte e poucos), ocupado de cotos e tudo o mais que possa restar de minas antipessoais, dia fora.
(e eu a cantarolar Walking Away na Pequena Cirurgia do HSM...que raio de existência esta?).

E aquele pensamento angustiante e insistente, cravejado a rajada de metralhadora com que um tipo se deita: «caralho caralho caralho caralho, foda-se».
Se me lixassem por estes dias à grande, era gajo para debitar aquilo de enfiada.
O expoente máximo da genialidade do autor. Debaixo da sua caneta, sob o controlo da sua mão, sublimes, quasi-poesia, atribuindo a tamanhas palavras uma altivez que não pode constar do vulgar prontuário do calão.

Onde está o substracto da vida? a base de tudo? Onde te fazes? Que provas?
(E a quanto é que estão mesmo as olheiras, as cicatrizes, os quilos a mais, a voz tornada grave pela vida?)

«Em Mangando e Marimbanguengo, vi a miséria e a maldade da guerra, a inutilidade da guerra nos olhos de pássaros feridos dos militares, no seu desencorajamento e no seu abandono, o alferes em calções espojado pela mesa, cães vadios a lamberem restos na parada, a bandeira pendente do seu mastro idêntica a um pénis sem força, vi homens de vinte anos sentados à sombra, em silêncio, como os velhos nos parques, e disse ao furriel enfermeiro, que desinfectava o joelho com tintura, É impossível que um dia destes não tenhamos para aqui uma merdósia qualquer, porque, sabe como é, quando homens de vintes anos se sentam assim à sombra, num tão completo desamparo, algo de inesperado, e estranho, e trágico acontece sempre, até que me vieram informar do rádio Um tipo deu um tiro em Mangando, e eu corri para o carro onde a escolta me aguardava a aprontar-se ainda, e seguimos aos saltos para o norte pela picada que a chuva destruíra

E há uns dias, desarmado da minha verde espada, em qualquer coisa como isto: «é tudo muito lindo, também eu gosto muito de tudo isso mas é quando um tipo tem a barriga cheia, sabes? Eu que já passei fome vos garanto que quando a barriga está vazia, não há moral, política, filosofia, música, etc que nos valha. Nada disso nos interessa, vos garanto.»

«Já lhe aconteceu observar-se quando está sozinha e os gestos se atrapalham numa desarmonia órfã, os olhos procuram no seu reflexo uma companhia impossível, a gravata de bolas nos confere o aspecto derisório de um palhaço pobre a representar o seu número sem graça para um circo vazio?»
Já.
Menino de estantes, voyeur sequioso do sofrimento alheio, orgasmonauta da sublimação dos outros, frustrado, parasita. Um-quase-nada-ao-lado do menino do pólo branco que todos os domingos monta o seu Lucky Star para regozijo do papá, não muito menos do que o comunista de barriga cheia lendo Trotsky no seu sofá de couro de 2000 contos. «Puta que vos pariu». A todos.


Por estes dias, admito que andei meio banzado com isto tudo.
Pequenino, muito pequenino. Sem vontade de escrever, disártrico. Rindo a espaços.
Que merda é esta que para aqui vomita um gajo às vezes blogs fora? Que merda é esta agora que para aqui escrevo? Tudo muito lindo, sim senhor. Comentários a isto e àquilo, tudo opina, tudo pensa...extraordinário. Que sei eu de política?- felizmente que não a comento, ando a pensar/procurar a frase que hei de esparramar no boletim de voto nas próximas eleições- mas vou lá, que sei eu daquilo que julgo estar habilitado a fazer? quem me habilitou? quem me habilita? que sei eu daquilo que gosto quando me apercebo que o pouco que um gajo vai apreciando é uma insignificância? De que gosto eu se amanhã o gosto é outro? Que treta é essa dos gostos mudarem de 7 em 7 anos? Onde estás tu daqui a 10 já agora? que sei eu da Vida?

«O que seria de nós, não é, se fossemos de facto felizes? Já imaginou como isso nos deixaria perplexos, desarmados, mirando ansiosamente em volta em busca de uma desgraça reconfortadora, como as crianças procuram os sorrisos da família numa festa de colégio? Viu por acaso como nos assustamos se alguém, genuinamente, sem segundos pensamentos, se nos entrega, como não suportamos um afecto sincero, incondicional, sem exigência de troca?»

Regresso à normalidade interior, na certeza que há uma força motriz de muito do que se passa à nossa volta. Substracto, substracto.

«Não, a sério, a felicidade, esse estado difuso resultante da impossível convergência de paralelas de uma digestão sem azia com o egoísmo satisfeito e sem remorsos, continua a parecer-me, a mim, que pertenço à dolorosa classe dos inquietos tristes, eternamente à espera de uma explosão ou de um milagre, qualquer coisa de tão abstracto e estranho como a inocência, a justiça, a honra, conceitos grandiloquentes, profundos, e afinal vazios que a família, a escola, a catequese e o Estado me haviam solenemente impingido para melhor me domarem, para extinguirem, se assim me posso exprimir, no ovo, os meus desejos e protestos de revolta. O que os outros exigem de nós, entende, é que os não ponhamos em causa, não sacudamos as suas vidas miniaturiais calafetadas contra o desespero e a esperança, não quebremos os seus aquários de peixes surdos a flutuarem na água limosa do dia-a-dia, aclarada de viés pela lâmpada sonolenta do que chamamos virtude e que consiste apenas, se observada de perto, na ausência morna de ambições.»

Pois então que paro por uns tempos. Agora digiro- é certo, mas afigura-se-me que o próximo de A.L.A. seja mesmo a "Morte de Carlos Gardel". Ando a saltitar, sem qualquer espécie de cronofilia entre as várias obras do autor. Conto que lá para 2010 tenha lido todos (ou quase todos). Assim espero.

1 comentário:

clara disse...

http://eixodesnortesul.blogspot.com/2008_10_01_archive.html

(entre o jude law e o neil young)

pois
deixa cá ver

posso te emprestar para ja para ja a explicação dos passaros e o conhecimento do inferno (este ultimo... pfffff.... sem palavras... não, não chega aos pes do cus de judas - algum chegará? mas tem um medico lá dentro, bem empacotadinho e com um laçarote bem negro, como eu gosto... como é que era mesmo? amargurada?)

já que
começo dentro de minutos
o fado alexandrino

é isto
raios te parta a ti e à tua estante do ikea igual à minha